o futebol de Chico Buarque

Cantor, compositor, escritor, ator… e craque de bola nas horas vagas. Chico Buarque de Holanda, que na última quarta-feira, 19 de junho, completou 80 anos de vida, é um ilustre fã de futebol, torcedor do Fluminense, e presença constante nas páginas de PLACAR ao longo das últimas décadas.

“Gosto mais de jogar do que de torcer”, revelou Chico, em entrevista à repórter Betise Assumpção, na edição de dezembro de 1986, ano em que o time fundado pelo cantor, chamado Polytheama (muitos espetáculos, em grego), estava em plena atividade. “Jogo em todas as posições, menos goleiro. Sou um jogador ofensivo. Não gosto de passes para o lado e, muito menos, para trás”, contou, então com 42 anos.

Seis anos antes, em 1980, o campo do time amador, no Recreio dos Bandeirantes, foi palco de uma afinada dupla, entre Chico Buarque e Bob Marley, o ícone jamaicano do reggae – que, segundo as testemunhas, também era bom de bola.

Chico Buarque e Bob Marley durante pelada em 1980 - Reprodução/Instagram
Chico Buarque e Bob Marley durante pelada em 1980 – Reprodução/Instagram

“Os bons jogadores, as boas duplas têm de ter bons ouvidos. É pela audição, por exemplo, que a gente saca a distância e a velocidade de um companheiro em campo. E dos adversários também. Tenho a impressão de que o Pelé e o Coutinho tinham ótimos ouvidos musicais. Aquela história de olho na nuca, na verdade, é ouvido apurado”, brincou Chico, no papo de 38 anos atrás.

Torcedor do Fluminense e da seleção brasileira, ele não se dizia muito empolgado com a fase das equipes na época. “Quando o garoto, não perdia um só jogo do Santos. E eu não sou santista. Só que é assim mesmo. Sempre gostei dos bons jogadores, de bons times. Sou do Fluminense, mas acho que temos um timinho. Fomos tricampeões cariocas com um timinho”, contou, ao relembrar um encontro com seu ídolo de infância, Pagão, do Santos.

Na mesma entrevista, Chico Buarque criticou a organização da CBF e as mudanças físicas e táticas que deixaram o futebol menos cativante (um discurso que soa extremamente atual), além de defender Zico e Sócrates das críticas após a eliminação da Copa do Mundo no México.

O blog #TBT PLACAR, que todas as quintas recupera um tesouro de nossos 54 anos de arquivos, reproduz, na íntegra, a entrevista de dezembro de 1986.

Chico Buarque de Hollanda com as filhas Helena e Silvia, atriz, no jogo Flamengo x Fluminense no Maracanã.

“VAMOS MUDAR A ESTRUTURA”
Torcedor do Fluminense, peladeiro convicto, o gênio da MPB aponta a construção a ser feita para que nosso futebol saia dessa roda-viva e não fique vendo a banda passar

Betise Assumpção

A história do boia-fria urbano que despenca de um prédio e se esborracha na contramão em pleno sábado acontece quase todos os dias no Brasil. Afinal, vivemos num triste campeão de audiência em termos de acidente de trabalho. Chico Buarque de Holanda captou esse momento trágico em sua magistral e pungente Construção. Bastaria esta canção para fazer dele um imortal. Há, porém, pelo menos uma dúzia de obras verdadeiramente primas de sua lavra, como Rosa dos Ventos, O qure Será?, Folhetim e Vai Passar. É muito difícil encontrar alguém que que já não se tenha emocionado com uma música de Chico Buarque, desde A Banda, há duas décadas.

Acima de tudo, no entanto, trata-se de um grande brasileiro. Carioca, 42 anos, decantados olhos verdes, ele foi uma das luzes na longa noite que vivemos até bem pouco tempo. Existe, contudo, um outro Chico Buarque: o torcedor inveterado do Fluminense, apaixonado por futebol, peladeiro contumaz, que alega ter sido um imbatível jogador de botão. Este lado, ele revela à repórter Betise Assumpção – feliz proprietária de nove de seus discos – na bem-humorada entrevista a seguir.

PLACAR — No futebol, quando um time é entrosado, diz-se que ele joga por música. Existe mesmo alguma relação entre a música o futebol ou é só uma
brincadeira?
Acho que tem a ver, sim. Os bons jogadores, as boas duplas têm de ter bons ouvidos. É pela audição, por exemplo, que a gente saca a distância e a velocidade de um companheiro em campo. E dos adversários também. Tenho a impressão de que o Pelé e o Coutinho tinham ótimos ouvidos musicais. Aquela história de olho na nuca, na verdade, é ouvido apurado. Todo mundo fala muito em campo e, quanto melhor sua audição, mais noção de espaço você terá. Eu mesmo sou mais jogador de futebol que músico (risos). Acho que vou desenvolver mais essa teoria.

Você joga, todos os sábados, em um time de artistas no Recreio dos Bandeirantes, no Rio de Janeiro. Fale um pouco disso. Em que posição você joga? Todas, menos goleiro. Sou um jogador ofensivo. Não gosto de passes para o lado e, muito menos, para trás.

Seu time tem um nome exótico, não é mesmo?
Chama-se Polytheama. É de origem grega e significa “muito espetáculo”, que é exatamente o que meu time oferece aos olhos extasiados do público.

Falando em futebol-espetáculo, em sua opinião, por que ele é cada vez menos frequente?
Ah, por um monte de motivos. O fundamental, porém, é que à medida que a competição aumenta no que ela tem de menos saudável – os interesses econômicos -, os times passam a jogar cada vez mais cautelosos. Os técnicos e as equipes tendem a se defender mais. Hoje, o empate fora de casa é um bom resultado, ganhar por um a zero é uma grande vitória, afinal são os mesmos dois pontos de uma goleada. Aquela época lúdica acabou, agora o time tem de ter uma defesa forte, por isso o futebol brasileiro mudou – e piorou – tanto. O Brasil nunca se caracterizou por grandes zagueiros ou goleiros, nossos grandes times tinham ataques fabulosos, atrás porém tinham baques de roça.

Então por você não somos mais os donos do melhor futebol do mundo?
É. Temos de nos acostumar com isso. Não ganhamos uma Copa há 16 anos e não enchemos mais os olhos de ninguém, apesar de ainda praticarmos um bom futebol. Mas acho que podemos voltar a ser os melhores. É uma tarefa muito difícil. A política esportiva brasileira é uma piada. Veja a Copa do Brasil: é uma bagunça generalizada. A estrutura não ajuda.

O que se poderia fazer para consertar isso?
Olha, para começar, teria de afastar esse pessoal da direção da CBF. Há anos se fala, se discute, esse provam as aberrações desta estrutura. Aquela velha política de agradar a todos os estados construindo estádios em tudo que foi canto, 60 clubes disputando o brasileiro e quando tentam diminuir a liminar pra cá liminar pra lá….

O presidente da CBF Otávio pinto Guimarães disse que ainda vai ficar muito pior no ano que vem segundo ele ninguém aceitará ficar de fora da primeira divisão e tentarão paralisar o torneio o que você acha? Sinceramente, não conheço a fundo a legislação esportiva para dizer como isso pode ser contornado ou evitado. Mas acredito que eles só não colocam ordem na casa porque não querem já que se beneficiam com a bagunça com o jogo de interesses. Se existe o poder para impor um campeonato com 60 clubes por que esse mesmo poder não decide que serão apenas 16? Há muita coisa no meio… O Vasco não podia ficar de fora da segunda fase, aí tentaram tirar a portuguesa arbitrariamente. O ministro Marco Maciel chefe da casa civil da Presidência da República) chega e coloca 2 times os critérios obedecidos nunca são os esportivos.

Você é da opinião que os políticos deveriam ser banidos do esporte?
Não, os políticos não, esses políticos. Ai ai o futebol brasileiro sempre esteve ligado ao que há de mais reacionário e retrógrado na política brasileira. Não que eu defenda a permanência de políticos no futebol. Mas há bons políticos também capazes de fazer muito pelo esporte o principal é mudar essa estrutura.

Falando em estrutura o que você pensa de o Brasil promover a Copa do Mundo de 1994?
Como assim, se sou a favor ou contra?

É. Alguns dizem que há questões mais importantes a serem resolvidas com esse dinheiro outros garantem que uma copa pode promover o país trazer divisas e alimentar o turismo. Qual é a sua opinião? Acho as 2 posições válidas. É claro que uma Copa do Mundo pode dar um grande lucro. Agora, se for organizada por esse pessoal aí, acho temerário. Com a competência deles, é capaz que o Brasil consiga não lucrar nada, aumentar a dívida e ainda perder o caneco.

Mudando de assunto qual o melhor jogador que você viu em ação?
Pagão. Foi meu grande ídolo. Eu adorava vê-lo jogar. Quando o garoto, não perdia um só jogo do Santos. E eu não sou santista. Só que é assim mesmo. Sempre gostei dos bons jogadores, de bons times. Sou do Fluminense, mas acho que temos um timinho. Fomos tricampeões cariocas com um timinho. Olha, eu viajava de São Paulo para o Rio para ver Garrincha embora meu ídolo mesmo fosse o Pagão.

A rede Bandeirantes promoveu um encontro seu com Pagão, não é?
Nossa fiquei emocionadíssimo. Foi o máximo conhecer pessoalmente alguém que eu vivia imitando nas peladas de menino.

Você ainda tenta imitá-lo nas peladas do Polytheama?
Agora sou um veterano. Nessa idade não se tem mais um estilo próprio. A gente tem de adaptar o estilo à idade (risos).

Sobre os veteranos o que você acha do mundial de seniores que será disputado no Brasil em janeiro?
O que eu acho? Hum… Será que serei convocado? (Gargalhadas). É uma boa ideia. Há espaço para todos, mas eu estou mais preocupado com a renovação do futebol. Com organização de campeonatos sérios nas categorias inferiores.

Falando nisso, você acredita que o Brasil tenha perdido a copa por insistir demais nos chamados “velhinhos”?
Não concordo. Zico, pelo pouco que jogou, mostrou a que veio. Ou por que foi. Sócrates também. A seleção foi até onde podia ir. Houve muita bagunça, muita desordem, número excessivo de convocados, concentração e disciplina absurdas, falta de diálogo. Estava tudo errado.

E os bichos da copa? Para o presidente da CBF, os jogadores receberam muito pelo que apresentaram. Qual o seu ponto de vista?
Ora, isso não tem nada a ver. Primeiro, trato é trato. As premiações foram combinadas. Além disso, por que não perguntaram para ele quanto se gastou com mordomias, passagem e estada daquele povo todo? E ele vem discutir o prêmio dos jogadores…

Vamos voltar a você e ao futebol. Você ainda vai aos estádios?
Não. Há 2 anos não coloca o pé no Maracanã. Quando morava em São Paulo IA quase todos os domingos ao Pacaembu. Mudei para o Rio e passei a frequentar o Maracanã e ia todos os clássicos. Agora não vou mais.

Por quê?
Por vários motivos. Falta de disposição e disponibilidade. Futebol mudou muito e perdeu um pouco do encanto. Assim mesmo, eu sempre saía satisfeito do estádio. Na verdade, acho que gosto mais de jogar do que de torcer.

Chico Buarque de Hollanda se aquecendo para jogar futebol com o cantor Fagner e o lateral esquerdo do Fluminense Marinho, no campinho de sua casa.

Então, de escalação do seu Polytheama e o sistema de jogo do time.
Escalação? Bom, não é nada muito fixo. Ney, jornalista, é o goleiro. Aí vem Paulinho Feital (músico), Naval (figurinista), eu, Vinícius França (produtor), Vinícius Cantuária (cantor e compositor), Paulo César Caju (ex-jogador) Evandro Mesquita (cantor e compositor).

Mas você não pontuou. Quais as posições?
Não há posição fixa. O time joga no sistema Carrossel. Ninguém para. Ah! E tem dois contundidos: Rui Solberg (cineasta) e e Carlinhos Vergueiro (compositor). Acho que eles precisarão ser submetidos a uma artroscopia nos Estados Unidos (risos).

Mas eles estão recebendo os seus salários em dia? (Risos)
Claro. O Polytheama trata bem seu elenco. Pague em dia.

Quem é o melhor jogador brasileiro no momento?
(Sem titubear). Leandro.

O que você vê nele?
De cara, o domínio de bola. Ele é extremamente habilidoso. Joga em qualquer posição, é inteligente experiente e tem excelente visão de jogo. Apoia bem o ataque. Enfim, é um jogador completo. Estilo Polytheama.

E do mundo?
(Também muito rápido). Maradona

O futebol brasileiro tem jeito?
Claro. Só é preciso que as mudanças exigidas, exigidas há tantos anos, sejam colocadas em prática. Sem falar na necessidade de coibir a violência, que tenha ajudado a matar ainda mais o espetáculo, afastando o público dos estádios.

Como se pode diminuir a violência nos campos?
Como a legislação mais rigorosa no que diz respeito às punições. Os árbitros também podiam ser mais bem preparados. Acho boa aquela proposta do Zico de que o jogador que agride outro deve ficar afastado do futebol ao mesmo tempo que o agredido. De qualquer forma, o assunto é importantíssimo e deveria ser seriamente discutido e suas resoluções praticadas. Cada vez que Bebeto, do Flamengo, entre em campo, fico com medo. Ele é franzino e muito visado. Penso que vão quebra-lo no meio. Eu mesmo, dá uma olhada (arregaça as calças e mostra uma cicatriz no joelho direito), sou vítima da violência em campo. É obra do Osmar Prado, o “Tabaco” (personagem da novela roda de fogo da rede Globo). Estou pensando até em contratá-lo. Ele não tem o espírito politeâmico, mas pelo menos ficamos livres de suas entradas.

Você também costumava promover animados campeonatos de futebol de botão. Parou com isso?
É. E eram muito bons. Só que em 1970 quando minha segunda filha Helena (tem ainda a Sílvia, 17 anos, e Lígia, 11), o estádio foi desalojado. Virou o quarto dela.

E você nunca mais jogou?
Nunca mais. Meu time está concentrado há 16 anos. Se concentração ganhar o jogo imagina o que vai acontecer quando eu abrir a caixa de catupiri. Eles estão lá, quietinhos. Não bebe, não fumam. Nada de drogas. Sexo, então, nem pensar.

Era o time do Flu?
Não. Era o meu time. Eu formei os jogadores. Cada um tinha um nome, sobrenome estilo próprio.

Como eram os nomes? Tinham algum significado especial?
Não. Foram nomes que inventei. Não me lembro mais. Tinha um centroavante que arrepiava, o Sacramento, um dos melhores do mundo. No meio-campo, jogava Arimatéia. E tinha um ponta muito veloz, Azuil. É verdade, meus jogadores fizeram escola. Eram temidos pelos adversários.

Quem você gostaria de ver dirigindo a seleção brasileira?
Não tenho um nome. Não sou ligado em técnicos. Não me preocupo com eles.

E o Polytheama, não tem técnico?
Não. Não precisamos. Cada um sabe muito bem o que fazer. Craque de verdade não necessita de técnico (risos).

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