Marcos André Batista dos Santos, o popular Vampeta (apelido que mistura vampiro com capeta) foi um dos jogadores mais conhecidos do Brasil entre as décadas de 90 e 2000, tanto por sua qualidade em campo quanto por sua irreverência fora dela. No último dia 13 de março, ele completou 50 anos muito bem vividos. Em julho de 1999, o volante do Corinthians vivia seu auge, recém-coroado campeão paulista e convocado para a seleção brasileira que conquistaria a Copa América no Paraguai.
Nesta época, Vampeta também lidava com as brincadeiras (e broncas) por ter posado nu para a revista G Magazine. Até hoje, as fotos do ensaio são lembradas nos chamados “Vampetaços”, uma forma de protesto a postagens nas redes sociais. Na época, o técnico Vanderlei Luxemburgo, que o havia treinado no Corinthians e era o comandante da seleção, tentou demovê-lo da ideia de tirar a roupa.
“Quando o Luxemburgo veio me aconselhar a não fazer as fotos, eu já tinha assinado o contrato com a revista. Ele ficou maluco quando soube”, contou. Ele lembrou, no entanto, que o dinheiro teve como objetivo ajudar a população de sua cidade natal, Nazaré das Farinhas, na Bahia. “O dinheiro ajudou na reforma do cinema. Tudo pela arte (risos). Também recebi muitos elogios, não só das mulheres. Muita gente me cumprimentou pela coragem de ter feito isso apesar de o futebol ser um meio muito conservador.”
O blog #TBT PLACAR, que todas as quintas-feiras recupera um tesouro de nossos 54 anos de história, parabeniza Vampeta pelos 50 anos e transcreve, abaixo, esta divertida entrevista.
O bem amado
Modelo de volante para Luxemburgo, benfeitor para seus conterrâneos, Vampeta faz sucesso com as mulheres e se torna patrono das artes
Por Luís Estevam Pereira
Wanderley Luxemburgo adora o volante Marcos André Batista dos Santos, 25 anos, o Vampeta do Corinthians. O jogador personifica o modelo de cabeça-de-área que o técnico da Seleção sempre quis ver à frente da zaga brasileira: um craque capaz de defender e atacar com igual eficiência, ao estilo dos holandeses Davids e Seedorf. Não é à-toa que o próprio Vampeta diz ter aperfeiçoado seu futebol na Holanda, quando defendia o PSV-Eindhoven.
Mas Luxemburgo não é o único a reverenciar Vampeta. No Corinthians, diz-se que a malha alvinegra é como uma segunda pele para ele. Mas quem tem razões de sobra para idolatrar o jogador são seus conterrâneos da baiana Nazaré das Farinhas, a 65 quilômetros de Salvador. Em sua terra natal, Vampeta é um tremendo mão-aberta. Sustenta instituições de caridade, banca a restauração de um cinema e costuma até dar dinheiro para que a gente pobre da cidade compre comida ou pague a conta de luz.
Na entrevista que se segue o bem-amado Vampeta fala que tem “um caminhão de mulheres” à sua disposição e que todo o dinheiro que recebeu para posar nu para uma revista gay foi investido na restauração do Cine Teatro Rio Branco, na cidade natal, cujas obras devem se encerrar agora em julho. “Só que a inauguração vai ficar para quando eu voltar da Copa América”, avisa o jogador. Inauguração que ele pretende fazer com a medalha de campeão da América no peito.
Por que os seus conterrâneos de Nazaré das Farinhas, costumam dizer que é Deus no céu e Vampeta na terra?
Não é tudo isso, não. Mas eu ajudo muito o pessoal de lá. Todo mês, gasto 3 000 reais do meu salário para auxiliar instituições de caridade: um abrigo de velhos, um instituto de meninos, outro de meninas e ainda pagar o aluguel de uma casa que atende deficientes.
Que história é essa de que você dá carros para os seus amigos de infância?
Teve um amigo para o qual eu dei um carro, mas nunca contei isso para ninguém… Se fosse dar um carro para cada um, não ia sobrar para mim. Na verdade, dei o dinheiro e ele é que comprou um automóvel para trabalhar.
Sua generosidade é um tanto exagerada.
Se tenho dinheiro no bolso, ajudo mesmo. Quando estou em Nazaré das Farinhas e vou na praça, as pessoas ficam pedindo ajuda. Um chega com uma conta de luz ou água de 6 ou 7 reais, outro com receita médica. Não tem problema, eu dou o dinheiro. Uma vez, um rapaz me pediu 3 reais para comprar 3 quilos de farinha. Dei. Depois, ele apareceu de novo, mostrou que tinha comprado a farinha e não gasto o dinheiro em bebida. E pediu para mim mais 13 reais para comprar um botijão de gás.
Mas ser tão mão-aberta assim não lhe traz problemas?
Se tiver no bolso 9, 10 reais, eu dou. Mas que não venha todo mundo me pedindo carro, casa, que aí não dá mesmo. Às vezes, recebo cartas de gente querendo caminhão, apartamento, dinheiro para pagar dívidas. Certa vez, recebi uma carta na qual um homem me pedia 10 000 reais para comprar um brinquedo para o filho. Êta brinquedinho caro!
Você não se preocupa em economizar?
Lógico que sim. Já pude dar uma fazenda para o meu pai, comprar uma casa na Bahia. E tem o cinema que estou restaurando.
Essa reforma não acaba nunca.
É que sou eu sozinho, sem ajuda do governo. Se fosse para desmanchar o cinema e construir outro, já estaria pronto. Mas uma restauração envolve muito trabalho, inclusive de pesquisa histórica. Mas tudo deve ficar pronto no dia 20 de julho. Só que a inauguração vai ficar para quando eu voltar da Copa América.
E qual vai ser a película inaugural, um filme-cabeça ou um enlatado americano?
A programação vai ficar por conta do Uriel Cavalcanti, que está cuidando da reforma e vai se encarregar do cinema. Sei que o filme não vai ser do meu gosto. Se dependesse do meu estilo só passaria filme de ação. Mas não sou muito de ir a cinema. Desde que estou em São Paulo, nunca fui. Prefiro teatro. Aliás, acho que vamos utilizar mais o Cine Teatro Rio Branco com peças teatrais. Vai ser fantástico.
Quanto foi investido no Cine Teatro Rio Branco?
Devo ter gasto mais de 200 000 reais. Fora a restauração do cinema, que tem oitocentos lugares (Nazaré das Farinhas tem cerca de 25 000 habitantes), há um terreno enorme onde se pode fazer um centro cultural. Para a inauguração, vamos chamar uns políticos para tentar uma parceria. Nós já procuramos ajuda mas só o que recebemos é a chamada “moção de aplausos”. Dinheiro que é bom, nada.
De onde veio o nome Vampeta?
Como eu não tinha os dentes da frente na época em que jogava no infantil do Vitória, os amigos me chamavam de vampiro, de capeta. Daí alguém juntou as duas palavras e falou “vampeta”. Acabou pegando.
Como você acabou indo parar na Holanda tão cedo?
Os holandeses do PSV-Eindhoven tinham vindo ao Brasil atrás do Rivaldo, do Edmundo e do Zé Elias. Não conseguiram contratar nenhum e decidiram ver a jovem equipe do Vitória, que tinha sido vice-campeã brasileira em 1993. Aquele time tinha o Dida, o Alex Alves, o Paulo Isidoro. Antes dessa molecada, sempre dava Bahia nos clássicos Ba-Vis. Depois, só passou a dar Vitória ” e de goleada. Nossa média era meter quatro gols neles. Bem, o fato é que os holandeses foram ver o Alex Alves, mas gostaram muito de mim. Viram minha atuação em dois jogos e fecharam o negócio por 1 milhão de dólares.
Você teve dificuldades para arrumar um lugar no time do PSV, não?
Naquele tempo, os times só podiam colocar em campo dois jogadores estrangeiros. O PSV tinha o Ronaldo e o Nilis (atacante belga). Eu nem ficava no banco. Joguei quatro ou cinco partidas e fui emprestado para o Fluminense por um ano (1996). Quando voltei (1997), o treinador Dick Advocaat arrumou um lugar para eu jogar. Como no meio-campo tinha o Cocu (da Seleção Holandesa e, hoje, do Barcelona) e o Jonk (da Seleção Holandesa e hoje, no sheffield, da Inglaterra), o técnico me colocou como ala direito. Deu certo. Fui escolhido o melhor na posição do campeonato.
Você ficava muito na casa do Ronaldo, seu companheiro de time?
O Ronaldo vivia convidando: “Vamos lá em casa, minha mãe fez feijão, rabada, feijoada”. Mas eu não gostava de incomodar. Ele morava com a noiva, a mãe. Eu andava mais com os jogadores solteiros do que com o Ronaldo.
Como o seu estilo de jogo foi influenciado pelo futebol holandês?
Nunca treinei no Brasil num sistema tão eficiente como o holandês. É um tipo de treinamento muito inteligente. Você, por exemplo, fica num espaço reduzido do gramado não podendo dar mais do que um toque na bola nem passar para o mesmo jogador. Isso faz você aprender a pensar rápido. Além disso, lá só se treina com bola. Não tem essa de se exercitar sem bola, correr 4, 5 quilômetros. Na pré-temporada, você joga todo dia contra time amador.
Então, você é um volante holandês.
Meu modelo de volante é o Win Jonk, com quem joguei por dois anos no PSV. Ele é um fenômeno, é o melhor volante que já vi jogar. O Davids e o Seedorf não têm metade da qualidade do Jonk.
Quem é melhor: Davids, Seedorf ou você?
Os dois estão na minha frente em termos de projeção mundial. Mas, tecnicamente, não tenho nada a dever a eles.
O Luxemburgo fala muito da sua versatilidade.
Minha posição original é no meio de campo: volante ou meia-direita. Mas sei jogar bem para caramba de zagueiro. Já joguei assim com o Joel Santana no Fluminense e com o Dick Advocaat no PSV.
Qual a nota que você dá para o Vampeta em cada posição?
Pelas partidas que já fiz como zagueiro, daria um 8. Mas só jogo na zaga em caso de necessidade extrema, de emergência. O problema é que não gosto muito de cabecear. Como lateral-direito, minha nota é 7. Mas jogando na mesma posição na Europa daria um 9. Lá o jogo é mais rápido. Aqui, a virada de bola e a passagem do lateral são muito lentas. Na meia-direita, perfeito não sou, tomo um 9. E 10, como volante.
Você não exagera nos carrinhos? Você foi muito criticado no lance com o lateral palmeirense Taddei, na Final do Paulista.
Não uso o carrinho sempre. O lance contra o Palmeiras foi muito discutido porque eles tiveram dois jogadores expulsos e eu não fui advertido com cartão pelo juiz. Mas o Taddei continuou a jogar normalmente. Quando é um lance grave, o jogador sai. Foi uma malandragem deles o rebu criado em cima desse lance.
Outro que reclama dos seus carrinhos é o Zagallo. Ele lembra que, num lance com você, o atacante Leandro, da Portuguesa, se machucou feio.
Para acabar com o carrinho tem que ter a aprovação da Europa. Só que os europeus não vão acabar nunca com esse recurso. O carrinho europeu, que é o carrinho que eu dou, é diferente do sul-americano. Aplico sempre de lado, pegando a bola e saindo com ela. O carrinho de um zagueiro brasileiro, de um Júnior Baiano, é com os dois pés. Na Europa, os jogadores treinam carrinho. No Brasil, não.
Mas a onda que o técnico Luiz Felipe fez em cima do seu lance com Tadei não acirra os ânimos?
Quem do Palmeiras além do Júnior Baiano e do Cléber pode chegar junto? Sampaio, Rogério, Oséas, Júnior, Arce, Alex, Zinho não são de dizer que vão pegar alguém para bater. No time do Corinthians quem pode chegar num lance mais duro é o Nenê, o Rincón, o Amaral.
O Edílson errou em fazer embaixadas e provocar a ira palmeirense na Final?
Não sei até que ponto o Edílson errou. O Paulo Nunes também foi precipitado em partir para a briga. Poderia ter acontecido a mesma coisa caso o Paulo Nunes brincasse com a faixa de campeão da Libertadores. Mas, dentro de campo, posso brigar com o Paulo Nunes, com o Zinho. Fora não tem essa de um agredir o outro. Todos são pais de família, têm suas obrigações em casa. Rivalidade sempre vai haver. Eu vou querer sempre entrar atropelando. Se necessário, a gente entra mais duro numa dividida, mas sem a intenção de machucar.
Você chegou a dizer que no Corinthians havia uma nova democracia corintiana. O Marcelinho Carioca não está chateado com essa situação já que ele era o grande xodó da Fiel?
No nosso grupo, todo mundo tem a liberdade de expor seus pensamentos e suas opiniões. Não tem mais aquilo de a equipe só ter um ídolo. Isso é bom até para o Marcelinho, já que a pressão não fica só sobre ele. Ele sabe que seu espaço no Corinthians ninguém vai tirar. Hoje, a torcida tem vários ídolos do mesmo nível: Edílson, Gamarra, Rincón, eu mesmo.
Não dá uma certa dor de cotovelo ver o grande rival do Corinthians ganhar a Libertadores?
Não, todos sabem da força do Corinthians com ou sem Libertadores. Ninguém tem a força do Corinthians ou do Flamengo no Brasil. Para isso não faz diferença, por exemplo, o São Paulo ter conquistado o Mundial Interclubes ou o Palmeiras ter vencido a Libertadores. Nossa força é a torcida.
Os jogadores do Corinthians já estão pensando no primeiro Mundial de Clubes da Fifa, em janeiro no Brasil?
Nós temos a noção da importância de se conquistar um título desses. Vamos estar em fim de temporada, mas uma competição a mais ou a menos não vai acabar com a gente. Prefiro jogar do que viver num clube que não está disputando nenhuma competição importante. Depois que acabar minha carreira, vou ter todo o tempo para descansar.
Quando você chegou ao Corinthians, o Luxemburgo o aconselhou a jogar na lateral-direita. Por quê?
O Wanderley sempre me aconselhou a jogar na lateral-direita. Ele me viu jogar no PSV como ala e achava que eu atuaria tranqüilamente como lateral no Brasil. Mas eu disse que sou meia. Para mim, a lateral é a pior posição do mundo. Ir e voltar o tempo todo é muito desgastante.
Como vai ser a Copa América?
Estamos indo com uma Seleção forte, para detonar.
Passou pela cabeça que a sua ausência nas últimas convocações da Seleção era um represália por você ter feito um ensaio fotográfico nu na revista G?
Passou pela minha cabeça que eu não era chamado porque o Corinthians estava em três competições, nunca porque eu tinha posado nu. Quando o Luxemburgo veio me aconselhar a não fazer as fotos, eu já tinha assinado o contrato com a revista. Ele ficou maluco quando soube.
Foi bom para você ter saído na G?
O dinheiro ajudou na reforma do cinema. Tudo pela arte (risos). Também recebi muitos elogios, não só das mulheres. Muita gente me cumprimentou pela coragem de ter feito isso apesar de o futebol ser um meio muito conservador.
Sua performance na G aumentou sua moral com a mulherada?
Mulher sempre vai haver um caminhão. Para mim, para você…
Mas você chegou a levar cantada de algum homem?
Não. Nada contra, tenho até amigos veados, mas a fruta que eu gosto é outra. Aliás, meus amigos homossexuais sempre andam rodeados de mulheres bonitas, o que é ótimo para mim.