Vojvoda explica permanência em Fortaleza: ‘Encontrei o verdadeiro amor’

FORTALEZA – Juan Pablo Vojvoda Rizzo acusa logo nos sobrenomes as raízes croata e italiana.

Nascido em General Baldissera, pequeno povoado argentino de menos de 3.000 habitantes, foi criado em Cruz Alta, a 64 quilômetros de distância, na província de Córdoba. Iniciou a carreira como jogador pelo Newell’s Old Boys nos anos 1990, vivendo por anos em Rosario antes da mudança para Santiago de Compostela, primeiro dos vários destinos durante as sete temporadas em que atuou na Espanha.

Passou ainda por Buenos Aires, Córdoba, Tres Arroyos, La Calera, no Chile, e várias outras cidades. Mas foi na terra do escritor e romancista José de Alencar (1829-1877) que Vojvoda encontrou a relação mais profunda com o futebol.

Esse sentimento o fez escolher pelo improvável: permanecer, mesmo cercado por pretendentes, motivado por um raro sentimento de pertencer a um lugar. “A essência do futebol está no campo, quando a bola está rolando e os torcedores se manifestam. Esse é o verdadeiro amor que as pessoas têm com as cores de sua camisa, com o seu clube… E isso encontrei em Fortaleza. Os torcedores sofreram muito, mas nos últimos anos desfrutaram. Isso me emociona”, conta em entrevista exclusiva na edição de março de PLACAR.

Capa da edição 1509, de março de 2024, com Juan Pablo Vojvoda - PLACAR
Capa da edição 1509, de março de 2024 – Reprodução/Placar

Quando foi anunciado pelo clube cearense, em 4 de maio de 2021, ele era um ilustre desconhecido substituindo Enderson Moreira, demitido nove dias antes. Vojvoda, aliás, nem sequer figurava como a primeira opção do então presidente Marcelo Paz. Antes, o cartola havia procurado técnicos como Ariel Holan e Fernando Diniz.

Hoje, é reconhecido por um dos trabalhos mais sólidos do país, além de ser o segundo técnico mais longevo entre clubes da Série A, atrás somente de Abel Ferreira, do Palmeiras. Ele só rejeita com veemência o rótulo de acomodado.

“Quero estar em um ambiente em que goste de trabalhar, que tenha poder de decisão, em que possa delegar. Não é por comodidade. Eu exijo da diretoria que o clube continue crescendo, mas escolho onde quero trabalhar. Sim, tenho ambição”, responde, convicto.

O treinador, que morou por um ano no centro de excelência do clube, no Pici, se esforça desde o primeiro dia para falar português com desenvoltura – a ponto de brincar que seus filhos dão “pitacos” nas escalações, expressão bem brasileira. De perfil discreto, já foi visto em caminhadas pela praia e frequentando restaurantes menos badalados, de bermuda e chinelo.

Aos 48 anos, Vojvoda está exatamente onde gostaria. Enquanto dirige o carro de seu apartamento até o CT, contempla da janela diariamente o sentimento de orgulho recuperado dos torcedores vestidos com a camisa do Laion.

“Já me explicaram que no passado muitas pessoas só assistiam ao Carioca e ao Paulista, que muita gente tem um time em São Paulo ou no Rio de Janeiro e outro aqui. E isso está mudando, quero que mude. Sinto essa mudança cada vez maior. Gosto de sair pela rua observando as pessoas de bicicleta ou de moto com a camisa. Sentir orgulho por sua terra é importante.”

Tricampeão estadual e vencedor da Copa do Nordeste de 2022, responsável por levar o clube pela primeira vez aos mata-matas de Libertadores e vice da mais recente edição da Sul-Americana, Vojvoda ainda recebeu nestes anos um outro título do qual muito se orgulha. Foi reconhecido pela Assembleia Legislativa do Estado como cidadão cearense.

Uma justíssima honraria para o argentino mais alencarino que Fortaleza já conheceu. Confira a entrevista completa:


No Castelão, técnico contempla emocionado o mosaico feito pela torcida no fim de 2022: ‘Gracias, professor’ - Leonardo Moreira/Fortaleza ECNo Castelão, técnico contempla emocionado o mosaico feito pela torcida no fim de 2022: ‘Gracias, professor’ - Leonardo Moreira/Fortaleza EC
No Castelão, técnico contempla emocionado o mosaico feito pela torcida no fim de 2022: ‘Gracias, professor’ – Leonardo Moreira/Fortaleza EC

No fim do ano, você disse que precisaria de um tempo para analisar propostas. Falaram de Corinthians, São Paulo, da seleção do Chile… Por que renovou o contrato e ficou? É verdade que quando encerramos o ano de 2023 contra o Santos, na Vila Belmiro, eu tinha algumas ofertas. E eu dizia claramente que veria como encarar a sequência do projeto, se teria energia. Precisava falar com a família e com a comissão técnica. Eu sempre tive muito claro que primeiro fecharíamos o ano e, depois, [iríamos] conversar. O que é melhor? Temos um ano mais, o clube vai continuar crescendo? Qual é a proposta? Como é a energia do presidente? É o que estou sentindo também? Isto é importante: o que estou sentindo dos meus jogadores? Porque posso assinar um contrato longo, mas, se meus jogadores não estão junto, o que faremos aqui? Trocamos jogadores, como vamos renovar a expectativa? Porque o futebol brasileiro exige muito. Então, queria olhar, pensar, analisar… Marcelo Paz já vinha dizendo: “Queremos estender o contrato”. E foi desse jeito, não foi com pressa. É um clube importante que não pode pensar somente em Vojvoda e Marcelo Paz, Vojvoda e Alex Santiago, Vojvoda e jogadores. Não, aqui é Vojvoda, jogadores, comissão técnica, torcedores, clube, crescimento… É uma responsabilidade grande.

Você disse em uma entrevista coletiva que pode decidir onde trabalhar, que não é por comodidade que resolveu ficar. Eu ouvi: “Vojvoda muitas vezes prefere a comodidade”. Eu quero trabalhar num ambiente que gosto, com poder de decisão, entende? Que possa delegar. Quando eu falo que não é por comodidade, é verdade. Eu quero e exijo da diretoria que o clube tem que continuar crescendo, mas escolho onde quero trabalhar. A ambição? Sim, tenho. No meu primeiro ano, era entrar na Copa Libertadores. Consegui esse objetivo muito importante. Não quero falar de outros clubes, outros têm o objetivo de ser campeão. Mas uma coisa é a eficácia, outra, a eficiência. Eficácia é conquistar resultados. Tenho êxito e lógico que isso é ótimo. A eficiência é, a partir dos recursos que tenho, conquistar os mesmos resultados, entende? Isso é o que me entusiasma, me enche de paixão. Fazer crescer um clube, que é uma responsabilidade de todos. Dizem que não tenho a pressão de outros clubes de São Paulo, mas jogamos o clássico com 47.199 pessoas.

E isso é que te estimula a continuar? Sim. Não podemos confundir aquilo que é midiático com a verdadeira essência do futebol. Eu gosto de sentir os torcedores no campo, entende? Quando não existiam as redes sociais e tantos programas de televisão, a gente ia ao campo para se manifestar. Agora os torcedores vão ao campo, e quero isso, encontro isso no Fortaleza. A verdadeira essência do futebol está no campo, quando a bola está rolando e os torcedores se manifestam. Esse é o verdadeiro amor que as pessoas têm com as cores de sua camisa, com o seu clube… E isso encontrei no Fortaleza. Encontrei torcedores que sofreram muito, mas que nos últimos anos desfrutam. Isso me emociona.

Vojvoda, com camisa ao fundo: o amor pelo Fortaleza estampado em cada canto de sua casa casa - Alexandre Battibugli/PlacarVojvoda, com camisa ao fundo: o amor pelo Fortaleza estampado em cada canto de sua casa casa - Alexandre Battibugli/Placar
Vojvoda, com camisa ao fundo: o amor pelo Fortaleza estampado em cada canto de sua casa – Alexandre Battibugli/Placar

É possível ver paixão em seus olhos, alguém que sente o futebol não só pelo dinheiro… Sim, o dinheiro é importante. Nos faz crescer e ajuda em muitas coisas. Todos nós queremos ter mais, não? Mas até quanto mais? O dinheiro é importante para comprar a comida, mas não se pode comer o dinheiro. Muito dinheiro ou muita comida? O que prefere? Aí respondem: “Prefiro dinheiro porque com o dinheiro vou poder comprar a comida”. Mas a essência é a comida, não o dinheiro. A necessidade do ser humano é se alimentar. Então não podemos confundir isso. Eu não critico o dinheiro porque todos queremos. Eu, inclusive. Gosto de viver bem, porém não podemos confundir os valores.

Isso vem da sua família? Acho que sim. Meus pais me deram uma boa educação. Tive essa sorte, sei que nem todos têm. Foi uma educação de classe média. Vivia em um povoado, onde minha mãe segue morando, com 7.000 habitantes. Minha mãe gostaria que eu fosse visitá-la mais vezes, mas meus filhos continuam perto. Eles moram agora em Rosario e vão até a casa da minha mãe, comem um churrasco… Meus pais sempre escolheram o trabalho, nunca o dinheiro.

É a mesma filosofia que você segue ao escolher um projeto como o do Fortaleza… Sim, creio que essas pequenas coisas ficaram na minha cabeça e pouco a pouco foram marcando o meu caminho.

Você diz ser um cumpridor de contratos. Há neste novo acordo alguma cláusula que o libere em caso de algum tipo de proposta? Isso eu prefiro não falar, entende? São coisas particulares com o clube. Fica entre as duas partes. Sou muito respeitoso com os contratos. Estou bem em Fortaleza, quero continuar trabalhando aqui.

O quanto significa a relação que construiu com o clube? Eu ajudei a fazer o clube crescer e eles me ajudaram a crescer. É um ciclo, uma retroalimentação contínua. Em muitas partidas sinto uma atmosfera particular com o Castelão lotado. Temos que continuar desse jeito para mais. O Castelão tem que ser a nossa casa. Temos que sentir orgulho disso. Muitas vezes tenho contato com um tipo de torcedor aqui em Fortaleza, agora cada vez menos, que me diz: “Ei, Vojvoda, você tem que ir para o Palmeiras, Corinthians, Botafogo”. E eu digo: “Mas você é cearense? Por que me diz isso?” Já me explicaram que no passado muitas pessoas só viam o Carioca e o Paulista. Muita gente tem um time em São Paulo ou no Rio de Janeiro e outro aqui. E isso está mudando, quero que mude. Gosto de sair pela rua dirigindo e observando as pessoas de bicicleta, de moto, andando com a camisa… Sentir orgulho por sua terra é importante. Eu quero isto, que as pessoas do futebol se sintam identificadas com o clube e que essa identificação seja forte. É o sentido de pertencer. Eu falo que Vojvoda vai passar, Marcelo Paz vai passar, diretoria vai passar, e o que vai ficar sempre será o torcedor. Eu posso ter boas lembranças de 2021, da conquista de Copa do Nordeste em 2022, de momentos aqui, mas posso conseguir em outro clube. Só que o torcedor é que vai se lembrar, vai ser torcedor do Fortaleza pelo resto da sua vida, e isso é o mais importante para mim.


Treinador construiu relação de confiança e muita admiração com seus comandados - João Moura/Fortaleza ECTreinador construiu relação de confiança e muita admiração com seus comandados - João Moura/Fortaleza EC
Treinador construiu relação de confiança e muita admiração com seus comandados – João Moura/Fortaleza EC

Você chegou desconhecido ao país. Qual é o segredo para a longevidade no futebol brasileiro? Acho que não há muito segredo. É planejamento e, principalmente, a relação com Marcelo Paz [CEO da Fortaleza EC SAF] e com Alex Santiago [presidente do clube]. São as duas pessoas com quem converso desde o primeiro momento. Construímos um compromisso mútuo, tanto para os momentos bons quanto para os momentos difíceis. Não só em resultados, mas no dia a dia, depois dos treinos, com as nossas conversas antes e depois de jogos. Esse acompanhamento é muito fluido. O principal fator é a confiança.

Muitas vezes o acordado acaba sendo rasgado pela ausência de resultados. As coisas entre você e Marcelo Paz parecem realmente diferentes. Não quero falar de outros treinadores, mas posso explicar o que aconteceu comigo. Muitas vezes as partes assinam um contrato longo, mas o que vai acontecer nos momentos difíceis para que o contrato não vire somente um papel? A partir daí começa a aparecer o verdadeiro objetivo. O jogador também precisa saber que, se as coisas estão ruins, o projeto vai continuar. E, se estão boas, vai seguir crescendo. Muitos podem traçar objetivos ambiciosos, o futuro daqui a cinco anos, mas é preciso estar de acordo com a realidade. No treino, na relação com um jogador, na relação com a própria comissão técnica, há conversas com carinho e outras em que é preciso se impor. Há coisas que se pode negociar com os jogadores e a diretoria, há outras em que é preciso ser firme.

O treinador português Renato Paiva disse certa vez que duas experiências com jogadores o marcaram a ponto colocar sempre as relações pessoais como o mais importante. Você concorda? Sim, no topo estão as relações pessoais. Isso não significa que eu não possa ter uma relação apenas correta ou profissional, como deve ser. Eu não sou amigo de meus jogadores. Tenho uma proximidade com um ou outro, mas também há aqueles que necessitam de um pouco mais de espaço. Não é nem a distância excessiva nem a proximidade invasiva. Muitas vezes falo com meus auxiliares, com Gastón [Liendo] e Nahuel [Martínez]: “Quero que vocês fiquem perto”. Gosto de ler e de escutar [César Luis] Menotti, campeão do mundo com a Argentina em 1978, que muitas vezes falava: “Os jogadores são pessoas que jogam futebol”. Acho que os que conseguem extrair um maior rendimento dos jogadores são esses treinadores. Você pode propor uma tática, a disciplina, só que isso tem vida limitada. Quando cria outro tipo de relação, o jogador pode dar um “plus” de rendimento.

E isso se dá por ter começado trabalhando com jovens no Newell’s? Sim, encerrei a minha carreira como jogador e comecei treinando jogadores de 14 e 15 anos. E aí vem o entendimento que somos formadores. Muitas vezes parece que os jogadores que jogam a primeira divisão têm que saber tudo. Como não sabem parar uma bola ou dar um passe? Como não sabem se posicionar taticamente? Não sabem. E tenho que ensinar. Precisamos continuar ensinando e aprendendo com eles. O atleta tem 24 anos e às vezes ensina a mim um posicionamento tático que eu não imaginava. Esses anos no futebol de base me ajudaram muito. Aprendi muito com companheiros de Newell’s, em conversas que me marcaram com o meu coordenador, Jorge Tayler, que agora é auxiliar de Tata Martino. Trabalhei com Carlos Picerni, que foi o primeiro auxiliar de Bielsa. E hoje com meus companheiros de dia a dia.


Trabalho sólido faz Vojvoda acumular respeito e boa aceitação até com técnicos brasileiros - Mateus Lotif/Fortaleza ECTrabalho sólido faz Vojvoda acumular respeito e boa aceitação até com técnicos brasileiros - Mateus Lotif/Fortaleza EC
Trabalho sólido faz Vojvoda acumular respeito e boa aceitação até com técnicos brasileiros – Mateus Lotif/Fortaleza EC

Há ótimos nomes na escola argentina de técnicos, como Scaloni, Simeone, Pochettino, Tata Martino e Bielsa, atuando na Europa ou em seleções sul-americanas. Por que formam tantos bons treinadores, na comparação com o Brasil? Não sei se tenho uma leitura muito clara sobre isso. É verdade que há técnicos argentinos que conseguem se destacar, principalmente na América do Sul e na Europa, mas eu considero que o futebol brasileiro é um grande centro, também. Talvez alguém fale: “Eles trabalham na Europa”. Eu também gosto muito da Premier League e de La Liga. Há muito dinheiro, lá estão os melhores jogadores, mas por que diminuir o Brasil e a América do Sul? No Brasil é muito difícil de jogar. Então cada um com sua cultura. O país foi pentacampeão do mundo com cinco treinadores brasileiros. Não é porque são da Europa que virão ensinar.

Como você vê o nível dos treinadores brasileiros? Há treinadores muito bons, como Renato Gaúcho, Felipão, Dorival Júnior, Fernando Diniz, Cuca… Não quero esquecer de nenhum. O Brasil também se caracteriza por isso. O argentino tem conseguido [mais sucesso fora] porque tem um pouco dessa ambição de conhecer a América do Sul.

E o que mais ajuda os argentinos? É a escola, o idioma? Pode ser. Talvez o pensamento do argentino de sair de seu país e encontrar outras motivações, também. Pode ser que o treinador brasileiro encontre a motivação dele aqui, o Brasil é quase um continente de tão grande. Ou talvez para esses técnicos a ambição seja dirigir Corinthians, Santos, Palmeiras, São Paulo… Ir a Belo Horizonte, Porto Alegre, Fortaleza. Enfim, conhecer todo o país.

Com Renato Gaúcho, elogios ao pé do ouvido antes de partida em Porto Alegre - Matheus Amorim/Fortaleza ECCom Renato Gaúcho, elogios ao pé do ouvido antes de partida em Porto Alegre - Matheus Amorim/Fortaleza EC
Com Renato Gaúcho, elogios ao pé do ouvido antes de partida em Porto Alegre – Matheus Amorim/Fortaleza EC

E você? Sonha treinar um clube na Europa? Tenho a ambição de conhecer outras culturas futebolísticas.

Não somente a Europa, então? Não, estou em aberto a outras possibilidades. Logicamente que a Europa me entusiasma. Vejo boas partidas quando ligo a TV. Assisto Premier League, La Liga, Série A italiana… Mas nessas ligas há jogadores de todo o mundo. Então, é aquilo que falávamos de dinheiro. O dinheiro às vezes ajuda porque reúne muitos jogadores de diferentes nacionalidades, e essa reunião faz com que a liga continue evoluindo.

Treinar a seleção argentina é um sonho? Não sei se um sonho, tampouco um objetivo, porque não miro objetivos muito distantes. A seleção argentina é um privilégio, mas também há que fazer uma avaliação do momento de cada um. Neste momento eu me vejo treinando clubes, não quer dizer que dentro de um ano ou dois isso não possa mudar. Treinar uma seleção seria bom também porque tem outro tipo de desafio. Como faço para conseguir implementar uma ideia com uma semana de trabalho?

O Marcelo Paz disse que você rejeitou uma seleção sul-americana. Sim, mas essas são coisas particulares.

Acha possível um argentino um dia treinar a seleção brasileira? Scaloni elogia muito os brasileiros com quem conviveu, mas não parece haver essa reciprocidade de nossa parte. Acho que primeiro precisa haver uma comunhão. Seleção tem que ter isso. É necessário ter a comunhão que Scaloni conquistou na Argentina, por exemplo, porque a seleção é de todos. Pode acontecer um estrangeiro na seleção brasileira, mas vai necessitar esse processo antes. Seria aceito ou enfrentaria muita resistência?


Cabisbaixo e com a medalha do vice no peito: técnico assimila o amargor da derrota na final contra a LDU - João Moura/Fortaleza ECCabisbaixo e com a medalha do vice no peito: técnico assimila o amargor da derrota na final contra a LDU - João Moura/Fortaleza EC
Cabisbaixo e com a medalha do vice no peito: técnico assimila o amargor da derrota na final contra a LDU – João Moura/Fortaleza EC

Seu trabalho é marcado pela conquista de quatro títulos, mas há também um vice na Sul-Americana nos pênaltis. Foi a derrota mais dolorosa da carreira? Já está digerida. Olhando para trás, vemos que chegamos muito perto. Por tudo o que caminhamos, provoca um pouco de dor, mas são coisas de futebol. Lamentei muito pelas pessoas que trabalharam no dia a dia e principalmente pelo torcedor. Não falo só para ficar bem com eles, mas porque vão se lembrar disso para sempre. Eu posso conseguir algo em outro clube, ou ter outras oportunidades, mas o torcedor vai lembrar para sempre, vai continuar pensando nessa final.

Em 2022, você colocou toda a sua energia em levar o clube pela primeira vez a um inédito mata-mata da Libertadores. É o título que você persegue? Em 2021, conseguimos a classificação. Terminamosem quarto na tabela do Brasileirão, com classificação direta. É verdade isso [de gostar da Libertadores], não sei se por ser argentino, mas pelo fato de ter crescido vendo jogos quarta e quinta-feira à noite. Lembro muito dos anos 1990, o Newell’s Old Boys no Coloso del Parque (hoje estádio Marcelo Bielsa). Perdemos a final de 1992 para o São Paulo de Telê Santana, eu ia sempre aos jogos. Eu fui também à final de 1988, com o Nacional (URU). Bom, conseguimos a classificação em 2021 e coloquei esse objetivo para o clube e os jogadores: “Não é só estar aqui, aproveitar o mosaico da torcida, mas temos que nos classificar à próxima fase”. Eu queria jogar os mata-matas de Libertadores. Em 2022 conseguimos o Cearense e a Copa do Nordeste, o que foi muito legal, mas havia um foco. Queria que o time desfrutasse, mas também executasse a tarefa. Conseguimos, mas foi um aprendizado, porque o Brasileirão ficou para trás. Quando saímos da Libertadores e pensamos em subir na tabela foi muito difícil. Gostaria de ganhar o título? Sim, gostaria.

Na avenida Beira-Mar, em Fortaleza, na comemoração pelo inédito pentaestadual – o terceiro dele - Lucas Emanuel/Fortaleza ECNa avenida Beira-Mar, em Fortaleza, na comemoração pelo inédito pentaestadual – o terceiro dele - Lucas Emanuel/Fortaleza EC
Na avenida Beira-Mar, em Fortaleza, na comemoração pelo inédito penta
estadual – o terceiro dele – Lucas Emanuel/Fortaleza EC

Ganhar o Brasileirão por uma equipe do Nordeste seria algo muito grande. É possível no projeto do Fortaleza cogitar isso? Você está falando de objetivos e resultados. Acho que o Nordeste está com capacidade para brigar por um título. O Nordeste é uma região com muita paixão pelo futebol, a estrutura tem crescido, a organização tende a ser melhor e a competitividade vai crescer também.


Vojvoda veste camisa com 'marcas de sangue', um protesto do clube pedindo por punições severas aos responsáveis pelo atentado - Mateus Lotif/Fortaleza ECVojvoda veste camisa com 'marcas de sangue', um protesto do clube pedindo por punições severas aos responsáveis pelo atentado - Mateus Lotif/Fortaleza EC
Vojvoda veste camisa com ‘marcas de sangue’, um protesto do clube pedindo por punições severas aos responsáveis pelo atentado – Mateus Lotif/Fortaleza EC

Como lidar com o ataque sofrido após o jogo contra o Sport? Foi um momento muito complicado. Eu estava na parte mais baixa do ônibus e escutei uma explosão muito forte e gritos. Foi uma pedra com uma bomba que explodiu dentro do ônibus. E nesses cinco segundos pensei: “Que não tenha acontecido nada com ninguém lá em cima”. Eu pensava no pior, me entende? Pedi a Deus que não tivesse acontecido, mas poderia ter acontecido algo muito mais grave. Acho que temos que ser radicais por completo, esse é o único jeito de resolver isso: punições muito severas. Não é para um clube ou outro, mas muitas vezes tem que cortar pela raiz essas questões. Falaram para Marcelo Paz: “Ah, é só uma pedra”. Não é só uma pedra. Foram uma pedra e uma bomba. Poderíamos ter uma vítima fatal. Não aconteceu nada. Mas e se acontecesse? Como podemos evitar? O melhor que temos aqui [no Brasil] é a paixão. Eu gosto muito dos mosaicos, que continuem jogando com ambas torcidas, isso é bom, mas também há um limite. Você não pode passar de determinados limites. Tem que trabalhar por isso. Nós, que estamos envolvidos nisso, somos parte disso, temos que trabalhar juntos para que isso não aconteça mais.

Você disse que estava na parte baixa do ônibus. Sim, primeiro subiu o preparador físico, havia muita fumaça em cima. Celulares jogados, jogadores pelo chão, muito vidro, porque a pedra quebrou um vidro e depois todos os outros se quebraram com a explosão. O médico estava atrás de mim e eu disse: “Sobe, sobe, vá ver se há feridos”. Eu fiquei embaixo.

E tudo isso longe da família. Como eles acompanharam? Minha esposa me mandou mensagem porque o meu filho menor tem redes sociais e estava acompanhando a partida. Um dos jogadores postou algo e a partir daí me comuniquei [com a família] e fiquei transmitindo tranquilidade sobre o estado de saúde de cada um.

Como foi a conversa com os jogadores logo depois do ocorrido? Fomos para o hotel e depois para o hospital. Desceram o Escobar, o Dudu, que estava com estilhaços no corpo, o Sasha… Eu estava numa cadeira e se senta do meu lado o Escobar muito assustado, não sabendo bem o que tinha acontecido. Todo cortado. Tratei de acalmá-lo, falando que ia ficar tudo bem. Ele estava consciente, mas com muito sangue, antes de descer para o hospital. É difícil [pensar em futebol], mas já estou pensando. Uma vez que disseram que estão todos bem, preciso ver como se sentem, como está o estado de ânimo deles. Mas já estou pensando, não vou mentir. Penso novamente em futebol porque é assim. É verdade que quero ter igualdade de condições também: perdi seis jogadores por uma coisa que não foi dentro do campo. O Titi tinha um vidro na panturrilha. Para uma pessoa que não joga futebol, você corta, abre músculo, tira e recupera em dois meses. Mas você não pode fazer isso com um jogador profissional porque, se cortar um músculo, isso pode comprometer sua carreira. Ficamos em desvantagem nisso.


Com os filhos Marko, Matias e Santino e a esposa Marite; família fixou residência em Rosario - Arquivo pessoalCom os filhos Marko, Matias e Santino e a esposa Marite; família fixou residência em Rosario - Arquivo pessoal
Com os filhos Marko, Matias e Santino e a esposa Marite; família fixou residência em Rosario – Arquivo pessoal

Chama atenção o fato de você não estar com a família no Brasil. Por que essa decisão? Quando eu era jogador, íamos de um lado para o outro juntos, mas, no momento em que voltamos para a Argentina, decidimos morar em uma cidade em que nossos filhos tenham seu próprio espaço. Comecei a vida como treinador [em 2017] e sei que ela nos leva para muitos lugares. Eles acompanham muito tudo, estão sempre perto do que acontece. Era assim quando dirigia o Defensa y Justicia, por exemplo. Morava em Buenos Aires, eles em Rosario, mas era mais fácil porque todo fim de semana eu voltava. Tinha um ou dois dias livres e eles iam ver as partidas, mas depois fui a Córdoba, depois ao Chile… Agora estamos no Brasil, uma distância muito maior.

Mas eles parecem gostar da cidade, do seu envolvimento com a torcida… Sim, eles sabem tudo. Vivem como se estivessem aqui. Se perguntar aos meus filhos a escalação, eles podem elencar cada jogador, do camisa 1 ao 30, conhecem todos de verdade. Quando estão em Fortaleza, nas férias, vão aos treinos, observam, vão aos jogos. Dão pitacos, também. É isso, vivemos desse jeito. Eles sabem tudo e eu sinto orgulho por isso também, eu transmiti essa paixão por futebol a eles.

Você fala do amor da família pelo futebol, mas quase seguiu na medicina. Eu fui para o Newell’s Old Boys com 14 ou 15 anos, saindo de Cruz Alta. Cheguei aos 18 e ainda não conseguia ser profissional, então minha mãe me disse: “Bom, vamos continuar trabalhando, estudando…”. Gostava de medicina e comecei a cursar a universidade, mas seguia jogando futebol. Quando completei 20 anos, consegui me profissionalizar. Estava no segundo para o terceiro ano de medicina e meus pais me disseram em uma conversa que para o futebol esse era o momento, porque com 40 anos não poderia mais jogar, e medicina ainda sim. Continuava perto da medicina, até para manter a cabeça ocupada. Fui para a Espanha, deixei de estudar, ficamos mais de sete anos lá. Quando encerrei a carreira, virei treinador, mas ao mesmo tempo voltei para a universidade. Até que fechei todas as matérias, para fazer a PFO (Prática Final Obrigatória), um estágio que consiste em três meses de ambulância, três de hospital e os últimos três em centros de saúde. Fiz os três primeiros, mais três e ingressei nos últimos três. Nesse momento recebi uma ligação de Christian Bragarnik (advogado do Defensa y Justicia) para uma proposta. Ele estava com o presidente e disse: “Você pode viajar a Buenos Aires? Quero ter uma conversa com você”. Faltava apenas um mês para conseguir o diploma de médico. Eu gostava de estudar, me interessava, mas quando estava no hospital não sentia a vontade que meus companheiros tinham. Gostava da medicina para ler, mas a prática não me apaixonava. Talvez, se tivesse continuado, teria ido para um caminho de pesquisa. Fui para casa e falei com minha mulher, que me apoiou: “Se você ama o futebol, escolha o futebol”. E foi assim: voltei ao futebol.


Da esq. para a dir.: o auxiliar Nahuel Martínez, Vojvoda, Marcelo Paz e o também auxiliar Gastón Liendo em homenagem pela marca de 200 jogos completada logo na estreia da temporada - Leonardo Moreira/Fortaleza ECDa esq. para a dir.: o auxiliar Nahuel Martínez, Vojvoda, Marcelo Paz e o também auxiliar Gastón Liendo em homenagem pela marca de 200 jogos completada logo na estreia da temporada - Leonardo Moreira/Fortaleza EC
Da esq. para a dir.: o auxiliar Nahuel Martínez, Vojvoda, Marcelo Paz e o também auxiliar Gastón Liendo em homenagem pela marca de 200 jogos completada logo na estreia da temporada – Leonardo Moreira/Fortaleza EC

“Minha relação com Vojvoda é respeitosa de parte a parte. Nunca tivemos um desentendimento grave. Como ser humano digo que ele nunca me decepcionou. Todas as suas atitudes com funcionários, torcedores e jogadores são pautadas pela ética, pela verdade. Tenho profunda admiração por ele como profissional, como pai, como marido. Vejo o respeito que os filhos têm por ele, o quanto o amam. A disciplina deles é muito da criação que o casal deu. Um cara que valoriza as pessoas, se preocupa com todos do clube.

É discreto, muito na dele, não faz questão de aparecer em nada. E é justamente por isso que as pessoas gostam muito dele. É um ídolo sem fazer força. Sem palavras de efeito, sem falar mal de ninguém, sem fazer bravata ou espetáculo com a torcida. Ele conquistou tudo por ser quem é. Eu gosto de trabalhar com ele, de tê-lo no nosso ambiente e da forma como lidera a equipe.

A escolha por ele em 2021 tem muito a ver com o perfil que gostaríamos: agressivo, que atacasse muito. Por dois motivos: porque tínhamos ido bem com o Ceni, que é assim, e segundo porque o nosso primeiro objetivo na Série A de 2021 era a permanência. E, para isso, entendia que tínhamos que atacar os times do nosso mesmo nível de perfil econômico como Bahia, Ceará, Juventude, América-MG, Cuiabá…

Identificamos o nome do Vojvoda, estudamos o modelo de jogos e vimos que era o que queríamos. Fizemos uma série de entrevistas, trocamos material sobre jogadores. Ele quis ver partidas do Ceni e do Enderson até chegarmos ao “match”. A permanência agora se dá muito mais pelo dia a dia, por saber o que é o Fortaleza como instituição, os sonhos, o fato de querer crescer.  Ele vivenciou e viu de perto.

A renovação de contrato foi diferente. Geralmente ela é feita no final do ano, mas conseguimos antecipar. Isso dá tranquilidade, porque os jogadores sabem que ele estará aqui. Vojvoda, sem dúvida, já é cearense”.


 

Vojvoda, pelo Newell's Old Boys, divide com Maradona, craque do Boca Juniors - Arquivo pessoalVojvoda, pelo Newell's Old Boys, divide com Maradona, craque do Boca Juniors - Arquivo pessoal
Vojvoda, pelo Newell’s Old Boys, divide bola com Maradona, craque do Boca Juniors – Arquivo pessoal

“A foto foi de uma partida na Bombonera [na temporada 1997/98], Nesse momento, o periódico mais famoso de Argentina (Clarín) publicou uma foto disputando a bola com Maradona com uma descrição: ‘Vojvoda luta por uma bola com Maradona’. Meu pai comprava sempre esse jornal e não teve dúvidas: colocou em um quadro na sala. Essa foto ainda está lá, é algo que ficou para sempre guardado.

Como jogador fui apenas correto, de nível médio, mas sempre com vontade de evoluir. Se o Vojvoda dirigisse o Vojvoda gostaria disso, claro, mas agora que tenho visto e treinado outros tipos de jogadores, não sei se Vojvoda jogaria no time do Vojvoda (risos).

Quanto ao entendimento de jogo, a preocupação, a disciplina… era um jogador que queria evoluir. Há jogadores que não nasceram com grande talento, Deus não deu a eles isso, mas entregou outras coisas. O talento muitas vezes é compensado com a técnica, com o entendimento de jogo, com a inteligência, com a parte física. Acho que os jogadores que jogam na Série A [do Brasileirão] algo tem, seja parte física, mental, ou técnicamente fortes. Algo tem. Capacidade para poder evoluir em cada um desses aspectos faz do jogador cada vez melhor”.

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